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sexta-feira, agosto 22, 2014

No Cais da Solidão


A chaga aberta dói e sangra tanto,
ainda que no tempo passem anos!...
Do chão do nada, a custo já levanto
a safra de aflições e desenganos.

No peito, o coração, teimando, bate!...
Teimando, bate, bate, e não se cansa!
Nem dor nem desalento o sonho abate
dos cravos desta pátria em esperança!...

Dos fastos e desastres, a memória
de um povo erguendo a pátria à dimensão
da gesta humana em páginas de História!...

E neste cais de Outono e solidão,
que fado nos impede agora a glória
de ousar no pátrio chão mais um padrão?


José-Augusto de Carvalho
24 de Novembro de 2008.
Viana * Évora * Portugal

NOTA - Imagem da Rosa dos Ventos - Sagres, Portugal * Foto Internet, com a devida vénia.

quinta-feira, julho 03, 2014

Pentacríptico


1.
No princípio, o verbo quis,
em conjugações obscuras,
ser grão e depois raiz
do chão projectando alturas...

Desnudo, no paraíso,
o par de divina essência
cantava, no tom preciso,
o elogio da indolência.

Do seu cume imperativo
e projectando o perfil
pelas lonjuras de anil,
deus olhava o par cativo.

E, certo da tentação,
provocou a transgressão.

2.
Expulso do paraíso
no primeiro alvorecer,
era ainda um improviso
a vida que houve de ser.

Adão pesou, pensativo,
o gesto da divindade
e a condição de ex-cativo,
encontrada a liberdade.

E naquela antemanhã,
que mal podemos supor,
percebeu por que a maçã
tinha um estranho sabor:

o sabor da inteligência
acordando a consciência.

3.
Pródiga era a natureza!
Tudo dava, hospitaleira...
Viver era uma beleza,
sem transtorno nem canseira.

Sentia às vezes saudade
do paraíso perdido...
Mas fora a sua vontade:
Assim tinha decidido.

Lá, tinha que obedecer,
ser aplicado no estudo
e ouvir e não rebater...

A liberdade era assim:
não se podia ter tudo
dentro ou fora do jardim...

4.
Sem armas e sem abrigos,
um ninho nos ramos altos,
prevenia os sobressaltos
dos mais diversos perigos.

Nessa arte da construção
imitou os primos símios,
que eram astutos e exímios,
arquitectos de eleição.

Gozando a paz absoluta,
descobriu ser bom pensar:
e concluiu que uma gruta
era o lar a conquistar,

por ser melhor tal intento
do que viver ao relento.

5.
Um dia, o par decidiu
o que há de mais natural:
Eva emprenhou e pariu
o pecado original...

E do seu cálido ninho,
recendendo a puridade,
foi descoberto o caminho
terrestre da humanidade.

E tudo assim sem alarde,
nem hosanas nem prebendas...
Não foi cedo nem foi tarde.
Depois vieram as lendas,

vestindo de cor e rito
o simbolismo do mito.

José-Augusto de Carvalho
Viana *Évora* Portugal

segunda-feira, abril 02, 2012

Poesia por Abril Adentro – Irreverência


Irreverência
(Vilancete)

Mote

Apoiada no quadril,
traz a moça a cantarinha.
Vem da fonte e vem asinha.

Voltas

Diz-se de «Abril, águas mil»!
E tanta sede que eu tinha,
naquela manhã de Abril!
Mas a moça vinha asinha
e negou-me a cantarinha
que apoiava no quadril...

Fiquei-me quase febril
devido à sede que tinha!
E nem sei mais se de Abril
ou se da moça que vinha
apoiando a cantarinha
no bailado do quadril... 

Autor: José-Augusto de Carvalho – Viana, Alentejo, 30 de Março de 2012

sábado, março 03, 2012

Um Sábado Bilingue com José-Augusto de Carvalho


NOTAS DE VIAGEM - 4 

A mão esquerda de Camões é que me guia.
Poeta e vagamundo,
icei-me ao cesto da gávea.
Além de tanto mar, de tanto céu,
tentei enxergar morenas terras de Espanha
areias de Portugal.
Parti na busca ousada de mim.
Abri estradas molhadas de lágrimas
e vestidas de saudade e de escorbuto.
Entrevi, no manso marulhar, apenas a sedução
da sereia desnudada na brancura de noivar
de mantos de espuma e mito.
Perdido de mim na descoberta do mundo,
já não há morenas terras de Espanha
areias de Portugal.
Além de tanto mar, de tanto céu, só esta lenda de mim...

Poema cedido pelo meu estimado amigo José-Augusto de Carvalho. Viana*Évora*Portugal

NOTAS DE VIAJE - 4 

La mano izquierda de Camoens es mi guía.
Poeta y vagabundo,
me icé al cesto de la gavia.
Más allá de tanto mar, de tanto cielo,
intenté divisar morenas tierras de España
arenas de Portugal.
Partí en busca osada de mí.
Abrí rutas mojadas de lágrimas
y vestidas de nostalgia y de escorbuto.
Entreví, en el manso oleaje, apenas la seducción
de la sirena desnuda en la blancura del noviazgo
de mantos de espuma y mito.
Perdido de mí en el descubrimiento del mundo,
ya no hay morenas tierras de España
arenas de Portugal.
Más allá de tanto mar, de tanto cielo, sólo esta leyenda de mí...

(Traducción: Antonio Alfeca)
António Alfeca é um poeta andaluz, a quem devo a honra de me ter traduzido. José-Augusto de Carvalho.

domingo, dezembro 04, 2011

Um Domingo com José-Augusto de Carvalho


De Inês e de nós


Pedro e Inês

Aqui, e muito para além do mito,
Amor teceu a flor da fantasia,
bordada de delírios de ambrosia,
viçosa de arrebois e de infinito!

Sortílegas, as águas do Mondego
ainda rememoram melopeias
que foram sangue a circular nas veias
do nosso mais fatal desassossego!

Na Fonte dos Amores, que secou,
na Quinta que das Lágrimas perdura,
no peito, a rubra flor que já murchou...

Sofrido de saudade e de amargura,
eu sou a nau que foi e não voltou
do sonho de evasão e de loucura...


José-Augusto de Carvalho
24 de Maio de 2006 - Viana do Alentejo * Évora * Portugal

sexta-feira, outubro 21, 2011

As sombras sortílegas


No caminho, assentou a canseira.
Nem vestígios das tuas pegadas.
Solitárias, as velhas estradas
sob um manto de sol e poeira.

Do que foste ou não foste, não mais
a memória guardou o registo.
Neste Mundo de Cristo sem Cristo,
são de inércia e renúncia os sinais.

Sob a noite, as estradas paradas,
rememoram silêncios em guarda
e sortílegas sombras vadias...

São as horas, no tempo cansadas,
a velar a promessa que tarda
duma aurora que nunca verias...

José-Augusto de Carvalho
16 de Outubro de 2011.
Viana * Évora * Portugal

domingo, julho 10, 2011

Confissão


Confesso que não sei.
Assim, na praça pública, e desnudo.
E sem recurso à lei,
que impõe saber de mim o nada e o tudo.

Não sei por que reclamo o sol do estio,
as chuvas outonais,
as neves da invernia - céus, que frio
doendo-me de mais!

E o sol da primavera
beijando cada ninho em construção
enquanto o Tempo espera
o parto, em oração.

E quando cada espiga me mitiga
a fome só de vê-la,
escrevo uma cantiga
no lucilar ardente duma estrela.


Poema de José-Augusto de Carvalho
14 de Junho de 2011
Viana * Évora * Portugal

sexta-feira, junho 10, 2011

Crónica de um dia sem história – O Largo

Hoje, desci ao Largo. Sim, também eu tenho um Largo. Não é, seguramente o Largo de que o Manuel (da Fonseca) nos fala e que era o centro do mundo. Este meu, mais modesto, é, apenas, o centro do meu povoado.
Neste meu Largo, está sempre um homem olhando em frente. Alheado das árvores que o circundam, olha em frente. Fixamente. Tentará, porventura, desvendar as novas e os mandados que virão.
Fica indiferente às conversas que escuta, tal como à chuva que o molha, ao frio e ao calor que já não poderão incomodá-lo.
Um ou outro, mais velho, fala dele como de um passado morto. Interiormente, sorri. O passado não morreu. O passado é a raiz, as fases diversas sobre que assenta o presente. O presente à espera do futuro. O passado é ontem; o presente é hoje; o futuro é amanhã.
Do passado nos chega a sentença: quem boa cama fizer, nela se há-de deitar.
Como dizia, desci ao Largo. Hoje. Hoje deveria ser um dia especial, deveria ser mas não é. Mais exactamente, não vi que fosse.
Em derredor do homem sempre presente, havia diversas pessoas, cavaqueando. Também um carro de som, tentando animar o ambiente com banalidades pseudo-desportivas.
Senti-me defraudado. De dia especial, nada vi. Regressei a casa. Olhei a estante onde arrumo alguns livros. Lá estavam Os Lusíadas. Melancolicamente, recordei: «Esta é a ditosa pátria, minha amada!»
Pois…

José-Augusto de Carvalho
10 de Junho de 2011
Viana*Évora*Portugal

(imagem: óleo de Vincent van Gogh (1853-1890)

sábado, dezembro 18, 2010

Cantilena

Neste blog repleto de prosas de escárnio e maldizer (dados os tempos que vivemos), passo a publicar esta cantiga de amor, de um colega, camarada e amigo, a quem muito estimo.

Sempre no meu peito,
aroma da flor,
meu amor-perfeito,
meu perfeito amor.

E sempre, na cor,
o perfeito encanto
da graça da flor
que encantado canto!

Nesta condição
de querer-te tanto,
quero ser o chão
onde, em mim, te planto!

Medra no meu chão,
minha flor de encanto,
e o meu coração
envolve em teu manto!

E quando eu me for,
que ainda em meu peito,
vicejes, em flor,
meu amor-perfeito!

José-Augusto de Carvalho
26 de Março de 2009.
Viana * Évora * Portugal
Poema emprestado pelo seu blog TEMPOS DO VERBO

sábado, setembro 11, 2010

Ansiedade

Há, nesta terra, a raiz,
o caule, a dourada espiga
e a fome, numa cantiga,
desencontrando um país.

Há saudades do Passado,
há saudades do Futuro
no meu país que procuro
em cada arado parado.

Há mais joio do que pão.
No abandono da paisagem,
apenas, à sua imagem,
o peso da solidão.

E os silêncios e os adis
já nem guardam na lembrança
as searas de esperança
na promessa de um país!

Há, apenas, os presságios
de temores e procelas
arrastando as caravelas
para quantos mais naufrágios?

Ah, que nesta dor extrema,
de ansiedade permanente,
seja salvo, novamente,
o meu país, num poema!

José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 10 de Setembro de 2010