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sábado, abril 12, 2014

Branco Mais Branco Não Há!

Com as eleições europeias à porta, e porque tudo é pretexto para branquear a sua actuação junto dos países sob resgate financeiro, a Comissão Europeia mobilizou um punhado de comissários europeus e organizou em Lisboa uma conferência a que deu o nome de "Portugal: rumo ao crescimento e emprego". Sempre bem comportado, de cócoras e rastejante, o Governo consentiu. Os detergentes usados na tal conferência foram Cavaco Silva, Passos Coelho e Durão Barroso, um trio pouco recomendável, onde no meio das patéticas balelas e banalidades dos costume, para encher o programa, foi exibido um rebuçado peitoral de 25 mil milhões de futuros financiamentos comunitários, com objectivos eminentemente sociais, vejam só, com o intuito de nos deixar a salivar e a sonhar, e com a União a querer fazer-se passar por uma espécie de "santa casa da misericórdia" à escala europeia.

O resto foi lavar, lavar, pôr a roupinha a corar e depois a secar. Registe-se ainda que Durão Barroso até recebeu rasgados elogios de Cavaco Silva, a propósito da sua actuação e envolvimento como presidente da Comissão Europeia, em prol da "causa" portuguesa, uma coisa que até lhe dá muito jeito, se atendermos que será seu desígnio - embora não o admita para já - candidatar-se à Presidência da República, provando-se que o detergente, tipo dois-em-um, de uma assentada, lavou o Durão e a União. Enfim, teatro com muita espuma, daquela que lava mais branco.

quarta-feira, março 27, 2013

Reflexões

HÁ QUEM diga que os burocratas que enxameiam pelos corredores de Bruxelas - que nunca foram eleitos, mas que se nomeiam entre si, e que apenas servem para gerir um grémio de interesses, não coincidentes com os dos povos -, não sabem o que é a democracia. Não concordo. Embora não sendo democratas, eles mais os paus-mandados que governam os destinos de cada um dos países da União Europeia, sabem o que é a democracia, e por isso mesmo sabem como contorná-la, para atingirem os seus objectivos. Bem feitas as contas, tudo se resume a democracias de geometria variável, com sabor a ditadura, com o poder descricionário em roda-livre. A Grécia e Chipre que o digam! Assim mesmo, sem rebuço nem vergonha na cara, um punhado de gente sinistra, a coberto da União Europeia, atropela tudo e todos, desde a soberania das nações, até à dignidade das pessoas, para levar a cabo, com choque e pavor, o maior esbulho de que há memória, desde as rapinagens do III Reich.

domingo, dezembro 18, 2011

Um Domingo com Rui Tavares - até ao ponto de não retorno

Aconselho a leitura deste notável artigo de Rui Tavares, publicado no jornal PÚBLICO de 13 de Dezembro de 2011, com o título “Até ao ponto de não retorno”. A foto é de 1888 e documenta o início da construção da Torre Eiffel.

«Da janela do avião vejo uma enorme cidade, espalhada em todas as direções como um líquen dourado na paisagem escura. Um anel prateado no centro da-quela nebulosa dourada marca o perímetro da cidade, com as suas portas a distâncias qua-se regulares. Que cidade será? Será Paris? Nesse caso deveremos procurar um ténue arco negro, uma espécie de boca entreaberta que deverá ser o rio Sena. E, para tirar as teimas: se dirigirmos os olhos para o quadrante em cima e à direita (viajo de Bruxelas para Lisboa, sentado junto a uma janela do lado esquerdo do avião) deverei conseguir localizar… por ali algures… lá está ela — a Torre Eiffel, a esta distância parecendo apenas um pequeno alfinete dourado espetado nas luzes da cidade.

A Torre Eiffel foi inaugurada nos duzentos anos da Revolução Francesa, em 1889, mas em 1900 era ainda a porta de entrada para a gente de todo o mundo que veio ver a Exposição Universal e respirar o seu otimismo elétrico (a Sala das Máquinas, com os seus geradores, era uma das maravilhas para forasteiros de todas as nações). E a Exposição Universal de Paris foi a porta de entrada para um novo século, voluntarista, industrial, otimista, liberal, comercial, pacífico. Um século que não veio a acontecer. Menos de década e meia depois, toda a Europa estava em guerra, e arrastada por ela o resto do mundo. Porquê? As cabeças coroadas fizeram as suas declarações, um ou outro presidente da república (havia poucos) procedeu às suas demonstrações, houve promessas de soluções satisfatórias — mas nada conseguiu inverter o plano inclinado para uma guerra de milhões de mortos, que ninguém nunca entendeu bem, nem então, nem hoje. No fim de 1918, chegou a paz, sustentada no idealismo dos Quatorze Pontos do Presidente Wilson dos EUA. Em 1919, vieram as negociações de paz, sob o pano de fundo das reparações e das dívidas — “havemos de fazer a Alemanha pagar!”, dizia então um líder dos conservadores britânicos, “a Alemanha há-de pagar até guinchar!”.

Pensei na enorme Paris que vi e tento imaginar no que terá sido a ocupação militar de uma cidade daquelas. Por este defeito de imaginação de que padece o nosso tempo, não consigo chegar lá. Por defeito de imaginação da nossa época, as coisas que aconteceram na Europa há poucas gerações parecem ter acontecido noutro mundo, com outras regras, com outros humanos.

Levo como incumbência, durante esta viagem de avião, pensar em três perguntas: até que ponto somos Europeus? se não houver identidade europeia, não serei eu um incorrigível otimista, ao supor que ainda assim nos possamos entender democraticamente à escala deste continente? e, vendo os acontecimentos recentes na União Europeia, vale a pena fazer aquilo que faço no Parlamento Europeu?

A ideia é escrever um texto — este texto — mas não é só a viagem de avião que me distrai. (Curiosamente, nem gosto muito de Paris, apesar de, ou por causa de, lá ter vivido quatro anos. Se me pedirem patriotismo, direi primeiro Lisboa, certamente até Rio de Janeiro, antes de pensar em qualquer capital europeia.) O que me distrai é o dia de hoje.

E, se há dia para ser pessimista, é hoje.

Hoje, dia 9 de dezembro de 2011, foi um dos piores dias da Europa do novo século, talvez o pior. Não tenhamos qualquer ilusão. Na madrugada de hoje, os 27 chefes de governo da União foram de uma irresponsabilidade colossal. Chegaram a uma cimeira com uma crise da moeda euro que só é intratável por culpa deles. Não resolveram essa crise. E criaram uma crise nova na União.

A realidade desta crise tem varrido com debates teóricos sobre se somos europeus ou não somos. Num dia como hoje, isto é secundário quando comparado com a dimensão do que aconteceu e que talvez ainda não tenha sido digerido completamente por muito gente. Recapitulemos.

Os líderes da zona euro, com Merkel e Sarkozy à cabeça, e com a vergonhosa anuência de todos os outros, deram um golpe de morte à União Europeia. O novo tratado em que se lançaram vai ter de ser construído, por razões legais, fora da União. A construção que resultar daqui será puramente intergovernamental, porventura com a Comissão Europeia convocada para fazer de polícia. Esta será uma confederação feita à força mas que nunca terá força para lidar com as debilidades de uma moeda federal. Sim, houve conversa sobre dar 200 mil milhões ao FMI e ampliar o FEEF até 400 mil milhões, um dia destes. Entretanto, só a Itália precisará de, em janeiro, renovar 50 mil milhões da sua dívida. Fevereiro, mais cem mil milhões. Março, outros cem mil milhões. Abril, de novo cem mil milhões. Em quanto já vamos? Pouco importa: dinheiro desse não se encontra em lado nenhum. E a

Espanha? A aplicação da austeridade em países como a Espanha, que já têm 20% de desemprego (e 45% de desemprego jovem) levará a níveis insustentáveis de tensão social. E os outros países? É quase inevitável que alguns entrem em incumprimento, outros em convulsão. A depressão económica será o destino da Europa como um todo. Para contrariar isto, a grande conquista da cimeira foi inserir limites à dívida na constituição e aplicar sanções semi-automáticas aos prevaricadores. Poderiam até tatuar os limites na testa e aplicar as sanções sob a forma de choques elétricos. 

O que é insustentável não se sustentará.

Entretanto, toda e qualquer esperança de democracia à escala europeia morrerá se este plano for avante. O Parlamento Europeu será mantido à margem, com uma boa desculpa: é uma instituição da União, tornada obsoleta pelo novo tratado. Algumas medidas virão a ser votadas nos parlamentos nacionais, é claro, por mero pró-forma. As decisões serão tomadas no eixo Berlim-Frankfurt, com gesticulação de Paris e um verniz de Bruxelas. Os governos bem tentarão atingir os limites do défice para reconquistar ao menos um pouco de independência, mas sem efeito. Se o pânico nos mercados não os derrubar já nas próximas semanas ou meses, a depressão chegará para impossibilitar o exercício nos próximos anos. Após cada fracasso dos governos periféricos chegarão mais imposições do centro. Alguém julga que isto será politicamente sustentável sequer a médio-prazo? O nacionalismo agressivo tomará conta de partes significativas do eleitorado.

Otimista, eu? Só se for um otimista trágico.

Há, no entanto, qualquer coisa aqui que está para lá do otimismo ou do pessimista.

É isto: salvo catástrofe natural (e mesmo as consequências dessas podem ser minoradas) tudo o que acontece aos humanos é obra de humanos. Tudo aquilo que é mau nas sociedades humanas, e tudo o que se consegue fazer de bom, saiu de nós. De uma maneira ou de outra, aquilo que humanos conseguem fazer, outros humanos conseguem desfazer. A “ganância estúpida” que Keynes lamentou em 1919 é humana. A “prudente generosidade” que Marshall concretizou após 1945 também. Exigir o pagamento de dívidas até toda a gente se lixar é humano. Perdoar dívidas para suster um dano maior também. A escravidão e a abolição, ambas humanas. Os humanos podem escolher.

O que foi feito na Europa nos últimos tempos tem de ser invertido, e depois reformulado. Tudo o que é antidemocrático, absurdo e irrealista pode ser substituído por coisas democráticas, que façam sentido e sejam sustentáveis. E quem tem de fazer isso somos nós. Porquê? Porque os marcianos não virão cá fazer por nós. Porque os mortos já não podem. Porque os vindouros ainda não podem. Não há mais ninguém: só nós.

Será certamente mais fácil, refazendo o trajeto desde a inauguração da Exposição Universal até à IIª Guerra Mundial, ser pessimista. Mas não é por alarmismo que se deve regressar à história europeia. É para dar sentido de responsabilidade e de possibilidade às pessoas.

A pergunta certa, por isso, não é se “vale a pena”. A pergunta certa é o que podemos fazer antes que seja irremediável. Devemos transcender diferenças menores para responder a estas necessidades maiores: evitar uma segunda depressão e conquistar a democracia europeia. Para o conseguir, esta geração de líderes, com a irresponsabilidade de todos, de Merkel a Sarkozy, de Cameron a Passos Coelho, terá de ser suplantada por um discurso público, cívico, fraterno, que inverta este plano inclinado de rancor e recriminação.

Estamos muito atrasados, mas o mesmo vale agora para qualquer um de nós. Somos europeus? Temos de ser. Até que ponto? Até ao ponto de não retorno. Antes que se chegue lá.»

quinta-feira, novembro 03, 2011

A Incómoda Democracia

AO CONVOCAR tardiamente (com quase 2 anos de atraso) um referendo para que o povo decida se quer manter o país subordinado às humilhantes condições de resgate que a “troika” lhe tem vindo a impor, o governo grego, acossado e cercado, de um lado pelos insaciáveis "mercados", pelo FMI, o BCE e a UE, e do outro, pelo seu próprio povo, quer desresponsabilizar-se da situação de caos a que conduziu o país, e chantageando os eleitores, transferir para a sociedade civil as consequências da sua inépcia e obstinação.

Os políticos andam com a boca permanentemente atulhada com a palavra Democracia, porém, como afirmou Manuel António Pina, "o medo que esta gente tem da Democracia é assustador". Apenas recorrem aos seus instrumentos quando se vêem confrontados com situações-limite, como é agora o caso da Grécia, refém dos “mercados” e dos seus comissários políticos instalados em Bruxelas e do todo-poderoso eixo franco-alemão, os quais lhe estão a impor uma austeridade sem limites, até ao seu empobrecimento e ruína generalizada. E o mesmo guião repete-se por toda a União Europeia.

Ninguém perguntou aos povos se queriam aderir ao projecto europeu. Ninguém perguntou aos povos se queriam aderir a uma moeda única. Ninguém elegeu os tecno-burocratas que se pavoneiam por Bruxelas. Ninguém perguntou aos povos se queriam subscrever o tratado de Nice, de Maastricht ou de Lisboa, e assim sucessivamente, até ao estado actual de bagunça e desunião em que a Europa se tornou, onde até já se falou em instituir um prodigioso “imposto europeu”. Tudo foi sendo cozinhado, autoritária e impunemente, pelos tecnocratas da financeirização das economias, à revelia dos povos que são remetidos para um papel passivo, até que são confrontados com os factos consumados, embrulhados na sempre eterna desculpa da crise internacional e dos tempos difíceis. Para reparar o mal feito, são depois "convidados" a darem as mãos, fazendo despertar o seu “patriotismo”, a mobilizar os seus "deveres", aceitando a alienação dos seus "direitos", mais a degradação das suas condições de vida e a privatização dos seus próprios recursos.

Continuo a não perceber como é que metade da dívida da Grécia pode ser perdoada, ao passo que a sua totalidade não pode ser renegociada. Se ninguém me explicar este paradoxo, creio que chegou a altura de dizermos basta, e começarmos a partir a loiça!